Pular para o conteúdo principal

MITO E ETHOS ENTRE OS YANOMAMI DE XITIPAPIWEI - dissertação

UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS – UFAM
MUSEU AMAZÔNICO – DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ANTROPOLOGIA SOCIAL–
PPGAS/UFAM

DEFESA PÚBLICA DA DISSERTAÇÃO
30/06/2010
Defesa oral

MITO E ETHOS ENTRE OS YANOMAMI DE XITIPAPIWEI
MESTRANDO: PAULO ROBERTO DE SOUSA

pauloroberto_wd@hotmail.com
mboesara@gmail.com

Apresento-vos, neste momento de defesa, o caminho percorrido por nós e os resultados ao quais chegamos da realização desta pesquisa. A nossa pesquisa intitulada Mito e Ethos entre os Yanomami de Xitipapiwei pretende desenvolver considerações a cerca do ethos yanomami expresso através dos mitos, denominados em língua yanomami, de wãno narrados pelos Yanomami da aldeia de Xitipapiwei. Os yanomami de Xitipapiwei estão localizados na região do rio Marauiá, no município de Santa Isabel do Rio Negro, ao noroeste do Estado do Amazonas.

Dividimos o resultado da pesquisa em três Partes contendo ao todo nove capítulos, a saber: Parte I: Os Yanomami e a Experiência Etnográfica, Parte II: Definições e Paradigmas e Parte III: Análise do corpus mítico e o ethos yanomami.

Veremos um resumo geral de cada parte.


PARTE I

Situamos o leitor sobre quem são os yanomami, a família lingüística yanomami, localizando ai os yanomami da nossa pesquisa. Descrevemos um pouco sobre alguns aspectos do mundo yanomami, isto é, como eles utilizam o espaço territorial, mostrando os círculos concêntricos nos quais desenvolvem as suas atividades de subsistências, descrevemos as primeiras grandes migrações, que alguns autores denominam como sendo ponto de origens, ou da grane migração, dos yanomami, e que por estes motivos optamos por deixar o termo origem no texto. Expomos também a construção do etnônimo yanomami, mostrando a visão de alguns estudiosos como Bruce Albert, Jacques Lizot, Casimiro Beksta e a versão dos próprios yanomami, dados que obtidos em diversos momentos da experiência entre estes. Em seguida, descrevemos um pouco a nossa experiência entre os yanomami, narramos como se deu o nosso primeiro contato ocorrido em 2006 nos xaponos yanomami de Maturacá próximo a São Gabriel da Cachoeira. Nesta narração colocamos a nossa experiência de contato. Logo em seguida narramos a ida Marauiá, onde viríamos a morar, como e junto com os salesianos, em 2007 com poucas saídas da área. Neste período entramos em contato com os yanomami de vários xaponos, e entre eles o de Xitipapiwei ou Pohoro Centro, pois se encontra a aproximadamente duas horas, a passo yanomami, de Pohoroa, xapono que fica as margens do rio. Nesta parte narramos, de forma etnográfica, um pouco da experiência marcante que foi a convivência entre os yanomami, o aprendizado da língua, os costumes e o ritual osteofágico, onde os yanomami consomem as cinzas de seus mortos em mingau de banana denominado kurata u kë. Depois seguimos localizando melhor o xapono de Xitipapiwei, lugar onde surgiram os primeiros insight para a realização desta pesquisa, lugar onde pudemos ouvir os mitos, lugar em que tivemos um contato mais profundo da dimensão do wãno.
Ainda nesta parte suscitamos o debate sobre o que significa ‘campo’ nesta pesquisa, além de esclarecer os tipos de dados com os quais estamos trabalhando. Justificamos, também, porque não fizemos uso de alguma teoria da Performance, como por exemplo, de Victor Turner, Richard SCHECHNER ou algumas daquelas apontada por Mariza Peirano na dissertação, sendo que esta justificativa apontava para o caráter específico da pesquisa, isto é, analisar as relações sociais a partir do discurso (o conceito de discurso que adotamos é o conceito de Habermas: procedimento argumentativo com pretensões de validar um determinado consenso). Esta escolha não inviabilizaria a possibilidade de se trabalhar com a Performance, mas entendemos que se fizéssemos isso, estaríamos por construir outro tipo de empreendimento, tão significativo e tão importante quanto a que foi realizada. Entretanto, acabamos por optar pela via da análise pragmática contido na filosofia da linguagem de Habermas.


Parte II

Na segunda parte delineamos as Definições e os paradigmas utilizados na pesquisa. Esse delineamento tornou-se necessário para contextualizar a pesquisa que teve como ponto de partida a análise de três wãno (narrativa mítica) yanomami Hewëriwë ‘Homem-morcego’, Ira, Opo, Kumararotawë ‘Onça, tatu e centopéia’ e Tõmriyoma ‘Mulher-cutia’. Estes foram escolhidos não pelo fato de serem favoráveis às análises que propomos, pois se procedesse assim, como diria Lévi-Strauss (2004) nas Mitológicas I, estes perderiam muito de sua força, mas, a escolha se deu pelo fato deste trio mitológico oferecer uma perspectiva dialética de oposições e correlações que remetem a uma concepção de mundo em três tipos de narrações.
Para que isso fosse realizável optamos pela análise pragmática de Habermas, uma vez que a sua concepção de ethos (está alicerçada em uma ética-discursiva –) postulada pela Teoria da Racionalidade Comunicativa [para lembrar o termo ethos foi utilizado por Geertz, por exemplo, na Interpretação das Culturas]. A opção por Habermas, em relação a outros autores que também trabalharam com a linguagem como Wittgenstein, Austin, Bourdieu, entre outros, que são mais correntes na antropologia, repousa sobre dois princípios: 1) o fato de Habermas tratar ações comunicativas [comunicação concebida como um processo dialógico, através do qual sujeitos, capazes de linguagem e ação, interagem com fins de obter um entendimento] como relações sociais, ações midiatizada pela linguagem [o conceito de linguagem que adotamos é o mesmo de Habermas, a linguagem semiótica que resguarda a questão da não verbalização e enfatiza a ação verbal como um tipo de ação sociais] e 2) o fato de Habermas representar uma etapa mais desenvolvidas, por assim dizer, das teorias sobre a linguagem dos autores já citados. O desenvolvimento do jogo de linguagem de Wittgenstein e os atos de fala de Austin (muitas vezes citados na literatura antropológica, como em Geertz e Victor Turner) assumem, em Habermas, uma dimensão pragmática de cunho social. Para além de Wittgenstein a linguagem assume não só uma dimensão de relação de significado em um determinado contexto, mas, tanto quanto a função de comunicação, assume também a de representação. Para além de Austin, o ato de fala agora assume a interação intersubjetiva dos sujeitos de forma a estabelecer relações sociais através de falas que se tornam normativa, não mais delineada por conteúdo psicologista como ocorria em Austin. [Habermas recupera, na sua teoria da ação comunicativa, elementos da teoria da linguagem do segundo Wittgenstein e da teoria dos atos de fala de Austin. No primeiro caso, incorpora a tese de que falar é agir socialmente, ou seja, constitui uma forma de vida e de seguimento a regras gestadas socialmente. No segundo caso, assume a tese de que falar coisas significa fazer proferimentos que estabelecem relações sociais. Nesse sentido, a sua teoria ultrapassa a esfera da lingüística e se configura como pragmática]
Outro dado importante que nos fez optar por Habermas é que o conceito habermaseano de ética possui seus alicerces nas interações comunicativas e não necessariamente nas teorias ontológicas de verdade que define as teorias clássicas dos estudos sobre a ética.
A partir daqui a pesquisa tentou mostrar a diferença entre os estudos clássicos sobre a ética e a ética discursiva postulada pela teoria da racionalidade comunicativa. Mostrando que, enquanto uma caminha pelas teorias ontológicas da verdade e teorias de correspondências, a outra (ética discursiva) caminha pela construção de um consenso [consenso=consiste na aceitação de uma pretensão de validade de forma intersubjetiva, independentemente das próprias preferências, ou seja, pelas mesmas razões] através do diálogo intersubjetivo [o que está diante de si não é mais um objeto e sim outro sujeito] entre interlocutores que se entendem e que usam um pano de fundo comum, denominado, a partir de Husserl, de mundo da vida. Ainda nesta parte colocamos alguns dos principais conceitos da teoria da racionalidade comunicativa, como por exemplo, mundo-da-vida, pretensões de validade, consenso, ente outros.
Com isso pretendeu-se estabelecer uma reflexão a respeito de como o ethos é expresso nos wãno. Ao tratamos o mito, no primeiro momento, como proferimentos lingüísticos pretendemos remeter as representações yanomami de moralidade subjacentes em cada narração mitológica e com isso, ratificamos Habermas, que a linguagem presta-se tanto a comunicação como a representação. Além disso, o proferimento lingüístico é segundo este mesmo autor uma forma de agir que serve ao estabelecimento de relações interpessoais.



 
PARTE III

Na terceira parte entramos verdadeiramente no escopo da pesquisa. Expomos algumas considerações importantes a cerca do contexto mitológico yanomami e logo a diante descrevemos os três wãno yanomami: Hewëriwë, Ira, Opo, Kumararotawë e Tõmirayoma. Descrevemos estes mitos em língua yanomami e em seguida a sua tradução aproximada em português.
No capitulo seguinte passamos a analisar os wãno e para isso tentamos levantar e responder as principais críticas que cerca o tipo de análise que propomos, isto é, o de utilizar a teoria da racionalidade comunicativa para analisar o ethos yanomami através de seus mitos. A crítica consiste na afirmação de que a teoria da racionalidade comunicativa, sendo uma teoria nos parâmetros da modernidade, não seria viável sua utilização para uma análise de povos de caráter tradicional, como os yanomami. A está crítica, respondemos com Bruno Latour, a qual demonstra, através dos híbridos, que os fundamentos que separa o pensamento moderno e o não moderno, ou pré-moderno, não se sustenta. Deste debate de Latour entre pré-moderno e moderno, percebemos que é ilusão pensar em racionalidade como um fator exclusivamente ocidental e que, portanto, não se sustenta a idéia de excluir sociedades não-ocidentais de análises teóricas interpretadas como modernas. Desta forma, Latour nos ofereceu um espaço para prosseguir com o desenvolvimento da pesquisa.
A análise dos wãno a partir da racionalidade comunicativa repousa no fato da comunicação entre os yanomami oferecer, como diria Habermas, raízes de racionalidade além de que toda ação comunicativa, para ele, revela complexos processo racionais. Partindo desse pressuposto levamos em consideração três dimensões: 1- Wãno: o que é dito na expressão lingüística. 2- Wãno: aquilo que se pretende dizer com uma expressão lingüística. 3- Wãno: a forma como é utilizada no ato da fala. Passamos então para a racionalidade comunicativa na construção do ethos. Ora, se Habermas afirma que o uso comunicativo de expressões lingüística não serve apenas para exprimir intenções de um falante, mas também para representar estados de coisas (ou supor sua existência) e estabelecer relações interpessoais com uma segunda pessoa. (Habermas, 2004,107), então podemos dizer que existe uma relação tripartite entre a significação de uma expressão e
O que se quer dizer com ela; O narrador de Hewëriwë pretende estabelecer uma relação interpessoal com seus interlocutores;
O que se diz nela;cSobre as conseqüências do rompimento da norma social, mas do que do tabu em si;
E a forma de sua aplicação na ação dela; O narrador se utiliza de universais pragmáticos em proferimentos lingüísticos, já que em seu ato de fala persegue uma meta locucionária.
Por fim, o narrador yanomam, ao orientar o mito para o entendimento, cria através de sua ação um contexto de vida socialmente reconhecido, produzindo neste objeto simbólico a forma de uma estrutura de conhecimento pré-teórico, aqui sob a forma da configuração do sistema social yanomami. Ao se comunicarem através do wãno, tendo em vista a racionalidade comunicativa, os interlocutores estipulam uma ética-discursiva fundada no consenso.


 

CONSIDERAÇÕES FINAIS


Para concluir a apresentação da dissertação, peço a banca examinadora, de antecipar algumas questões. Apesar do grande esforço intelectual que foi feito para a realização desta pesquisa, estamos cientes das lacunas, metodológicas e teóricas, que ela apresenta. Desde a revisão de alguns conceitos que não ficaram necessariamente claros ou deveriam ser mais explorados, desenvolvidos e explanados, ou por não trazer mais autores da antropologia para dentro do diálogo proposto na dissertação apresentada. Habermas é um autor difícil de se dialogar (as vezes mal entendido como afirmou Viveiros de Castro em Filiação Intensiva e Aliança Demoníaca), mas não impossível, como já nos mostram antropólogos como Luis e Roberto Cardoso de Oliveira ao utilizarem Habermas na sua produção antropológica. Estamos cientes de que há muito para ser desenvolvido nesta dissertação, detalhes que passaram desapercebidos, ou de aprofundar mais os termos utilizado pelos yanomami em sua própria língua, que apesar do esforço feito, não foram suficientemente desenvolvidos. Por outro lado pedimos compreensão, pois, o espaço de dois anos é demasiadamente curto quando o objetivo do mestrando, apesar de que, no quadro geral, não ser este, é de contribuir com uma parcela mínima ao enriquecimento do pensamento antropológico, referindo principalmente na antropologia produzida aqui no nosso estado. Quer seja pelo desafio de suscitar novas temáticas, quer seja de ampliar os horizontes antropológicos dialogando com novos, talvez não tão novos, autores de outras áreas do conhecimento.


Comentários

  1. stelamunhoz@gmail.com28 de janeiro de 2013 às 11:49

    e como eu faço para ter acesso à essa dissertação?

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

A diferença entre “não posso” e “não quero”.

A diferença entre “não posso” e “não quero”. Gostaria de partilhar aqui uma reflexão filosófica apoiada na linguagem que, em primeiro momento, parece uma bobagem, mas que pode revelar muito da dimensão inconsciente (se de médico e de louco todo mundo tem um pouco, de psicólogo então, nem se fala!) do ser humano na esfera da inter-relação com o outro: a diferença substancial entre o não posso e o não quero . Esta reflexão nasceu de uma curiosidade sobre o uso da linguagem durante as leituras de Habermas, Austin, Lyons e outros lingüistas e filósofos da linguagem. A princípio, ambas as respostas para uma dada circunstância parece ecoar definitivamente como a não possibilidade da realização do fato em questão. Ora, se durante uma visita a um amigo, por exemplo, me convidasse para tomar uma xícara de café e eu respondesse “não posso, obrigado!” ou “não quero, obrigado!”, ambas as respostas, marcaria a negação do ato convidativo a ser realizado. Ou em outro contexto, se minha mãe c

ESTÉTICA E CORPORALIDADE ENTRE OS YANOMAMI

ESTÉTICA E CORPORALIDADE ENTRE OS YANOMAMI DO RIO MARAUIÁ Sabem por que eu adoro antropologia? Porque não é apenas uma ciência, mas, simplesmente porque ela abre a cortina para um mundo totalmente diferente e nós, antropólogos, imbuído nestes mundos como peregrinos, nunca seremos totalmente o outro que está ali a nossa frente e, o pior, nunca voltaremos a sermos o que éramos antes da imersão.  Lembro que tinha uma anseio tão grande em aprender a língua yanomami que nos primeiros meses de campo cheguei a sonhar, literalmente, em yanomami. Acreditava, e acredito criticamente, na utopia malinowkiana da imersão na cultura do outro e foi o que tentei fazer através da língua (também cantei, dancei e participei dos rituais mais profundos[1] que uma pessoa “estranha” poderia participar). A cultura do povo Yanomami é singular, como são singulares as mais diversas culturas entre si. Porém, há tantos elementos sui generi que sempre que volto a convivência com os yanomami me espanto co

POROMONGUETÁ: A LÍNGUA DOS TREMEMBÉ.

POROMONGUETÁ: A LÍNGUA DOS TREMEMBÉ. olha ai a gente de novo! Prontos para mais uma leitura? Até agora postei sobre vários assuntos, mas ainda não abordei aspecto da cultura do meu próprio povo, do Povo Tremembé. Entre os vários elementos que poderia abordar, de forma mais peculiar, da parte cultural e estrutura social, eu irei me ater ao que toca a dimensão lingüística. Gostaria de partilhar junto com esta postagem um sentimento particular. Acredito que eu seja o primeiro a falar do Poromonguetá. Embora eu seja antropólogo, tive uma boa formação na área da lingüística devido a convivência e as partilhas com meu orientador do mestrado Frantomé B. Pacheco que é um excelente lingüístico. Por possuir, hoje, um conhecimento lingüístico suficiente para organizar nossa língua e apresentá-la de forma mais geral. Até então, ainda esses dados permaneciam na obscuridade, pois, de alguma forma, eu tinha um pouco de receio de comentar sobre eles. Ora, nós indígenas do nordeste, já somos, dev