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Pierre Bourdieu e a Auto-critica pós-moderna da antropologia: uma revisão sobre a concepção de objetividade e subjetividade no prisma da reflexividade na intertextualidade etnográfica.

As questões que rodeiam as pesquisas antropológicas não são poucas e nem tão simples. Entre estas questões encontramos um dilema antigo: a objetividade da antropologia, ou do pesquisador, diante do seu objeto de pesquisa. Diante de inúmeras interrogações sobre até que ponto o observador, pesquisador, pode manter-se neutro quando está em campo é que surgiram novas perspectivas sobre a direção em que a antropologia deveria seguir.
Um dos pontos interessante e que despertou uma enxurrada de autores como Geertz, Paul Rabinow, James Clifford, Pierre Bourdieu, entre outros, foi a questão e a concepção da reflexividade inicialmente partindo da natureza intertextual das inúmeras etnografias e depois de uma análise direta da ação do antropólogo em atividade.

Poderíamos iniciar então remetendo a obra sócio-filosófica de Pierre Bourdieu. Não podemos, entretanto, falar de sua concepção de reflexividade se antes não aludirmos que seu esforço intelectual poderia ser entendido como uma teoria das estruturas sociais. Nas suas investigações, Bourdieu arquiteta uma variante modificada do estruturalismo. Ele, como Saussure na lingüística, ou Lévi-Strauss na etnologia, esforça-se para localizar ligações lógicas ou problemáticas que apontasse para a presença de uma estrutura subjacente ao social. Bourdieu acaba por trilhar o caminho dos dois, isto é, aceita a existência de estruturas objetivas (independentemente da consciência e da vontade dos agentes). Se por um lado aproxima-se deles, por outro, não só difere, como mesmo se afasta, ao sustentar que tais estruturas são produto de uma gênese social dos esquemas de percepção, de pensamento e de ação. E ainda as estruturas, as representações e as práticas em Bourdieu constituem e são constituídas continuamente.
Enquanto que os demais estruturalismos estavam apoiando-se em constructum universais, o estruturalismo de Bourdieu remetia para uma função crítica, isto é, sua preocupação estava ligada ao desvelamento da articulação do social. Por isso, o procedimento sociológico que Bourdieu adota, enquanto método, se presta à análise dos mecanismos de dominação, da produção de idéias, da gênese das condutas. Daí que o estruturalismo bourdieuano (ou seria boudieuense?) recusa a redução objetivante que nega a prática dos agentes, daí também a ênfase e o interessa pelas relações de coerção que eles conferem.
Diante disso tudo afirmaríamos que Bourdieu nega o determinismo e a constância das estruturas, mas sustenta a noção de que o sentido das ações mais pessoais e mais transparentes não compete ao sujeito que as realizam, mas sim ao complexo do sistema de relações nas quais e pelas quais elas se realizam. Assim ele se põe a meia distância entre o subjetivismo (que desconsidera a gênese social das condutas individuais) e o estruturalismo (que desconsidera a história e as determinações dos indivíduos, basta ver os esquemas dos estudos dos mitos de Lévi-Strauss). É por essas razões que a visão de Bourdieu toma uma perspectiva diferenciada, não só metodologicamente, mas substancialmente, das de Saussure e de Lévi-Strauss.
Bourdieu encontra na reflexividade um instrumento útil para uma nova maneira de se pensar as investigações, pois “... a reflexividade, que é sinônimo de método, mas uma reflexividade reflexa - como ato reflexo no momento da entrevista, baseada num “trabalho”, num “olho” sociológico- permite perceber e controlar no campo, na própria condução da entrevista - os efeitos da estrutura social na qual ela se realiza”. Daí a crítica de Bourdieu à idéia de que a observação é tanto mais científica quanto mais conscientes e mais sistemática forem os métodos. Bourdieu sustenta que, se o objeto de estudo é um ente que pensa e fala, ele tende a tirar a objetividade da investigação.
Parece que a pesquisa “espontânea”, tende a eclipsar o fato social por isso Bourdieu desenvolve sua epistemologia fundada em um racionalismo, digamos, aplicado. Se os fatos sociais se apresentam como tendo, um caráter, a observação será tanto mais produtiva quanto melhor articulada é a reflexão lógica que a antecede e mais sistemática for a teoria que predetermina os dados pertinentes e significantes subjetivos. Isso não o impede de seguir fielmente os métodos estatísticos básicos, próprio da sociologia, de levantamento de análise do social. A epistemologia de Bourdieu, por outro lado, implica, antes de tudo, a “objetivação do sujeito objetivizante”, uma espécie de autoconsciência, um auto-posicionamento, ou seja, saber se situar no mundo, no campo. Fazendo assim, Bourdieu procura se colocar para além dos moldes e paradigmas já existentes e da austeridade de qualquer modelo explicativo da vida social. Sabendo que não é possível compreender a ação social a partir do testemunho dos indivíduos, dos sentimentos, das explicações ou reações pessoais do sujeito ele procura aquilo que subjaz a esses fenômenos, ou em outros termos, a essas manifestações.
Bourdieu parece adotar o estruturalismo como um método, mais do que como se fosse uma teoria explanatória. Porque ele procura superar a oposição entre o subjetivismo e o objetivismo mediante uma relação suplementar, vertical, que medeia entre o sistema de posições objetivas e disposições subjetivas de indivíduos e da coletividades. O habitus, por exemplo, é referido a um (campo) e se acha entre o sistema sutil das relações estruturais, que moldam as ações e as instituições, e as ações visíveis desses atores, que estruturam as relações. Os campos são mundos, no sentido de figurar mundo literário, artístico, político, religioso, científico. São microcosmos autônomos dentro do mundo social.
É extremamente difícil falar da reflexividade em Bourdieu sem mencionar ou remeter a outros conceitos de seu constructo intelectual como já vimos ate agora. Desta maneira, estas proposições devem ser reconhecidas e dominadas, e isso na própria realização de uma prática que pode ser refletida e metódica, sem ser a aplicação de um método ou a colocação em prática de uma reflexão teórica. Esforçando-se para fazer um uso reflexivo dos conhecimentos adquiridos da ciência social para controlar os efeitos da própria pesquisa e começar a interrogação já dominando os efeitos inevitáveis das perguntas diz Bourdieu.
O cuidado com a reflexividade é essencial ao método porque Bourdieu partilha a posição construtivista de Saussure e do estruturalismo em geral, de que o ponto de vista cria o objeto. A delimitação do campo é, sem sombra de dúvida, analítica. A sua escolha é inteiramente livre.
Podemos fazer uma relação dos princípios que marcam toda essa desenvoltura de Bourdieu, com outros pesquisadores da auto-crítica pós-moderna e para orientar-nos a tal empreito tomaremos um representante dessa nova forma de pensar da antropologia a nível intertextual e para isso teremos Paul Rabinow onde a reflexividade é, como em Bourdieu, saber situar-se no mundo, no campo intelectual, mas a reflexividade é marcada pela subjetividade, daí a importância de focalizar a relação entre pesquisador e pesquisado. Isso ocorre quase que necessariamente na natureza intertextual da produção etnográfica.

A crítica de Rabinow é justamente da ausência desta dinâmica uma vez que o surgimento da consciência antropológica acerca do modo de operação textual da própria antropologia está(va) deveras atrasado. Isso, todavia, não anula os esforços anteriores dos etnógrafos em analisar determinada realidade, a propósito, diz Rabinow, houve avanços na nossa consciência da qualidade ficcional (no sentidode ‘feito’, ‘fabricado’) da escrita antropológica e na integração dos seus modos característicos de produção. A autoconsciência de estilo, retórica e dialética na produção de textos antropológicos deveria nos levar a uma percepção mais aguçada de outras maneiras, mais imaginativas, de escrever. Mas, por outro lado, não podemos deixar de observar a sua critica quando diz que seguindo Pierre Bourdieu, poderíamos dizer como uma regra geral que, quanto mais puro e mais associologicamente não-reflexivo o “gosto” e o “estilo”, mais eles são expressões de distinção, status social e táticas locais.
Em fim, tanto Pierre Bourdieu como Rabinow, como representante da auto-critica pós-moderna, apresenta a reflexividade como uma forma de garantir a antropologia um uso mais apropriado do conhecimento que afirma como uma ciência capaz de contribuir para a compreensão do mundo e das relações existentes nele.

Comentários

  1. rapaz, vc escreve bonito, mas pra entender, antes, seerá q eu poderia convidar umm amigo sociólogo pra me ajudar a compreender tudo o q vc eescreve¿
    grande abraço

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  2. Que bom que escrevo bonito, só falta escrever compreensivo,rsrsrs. No próximo texto tentarei expor de forma mais compreensivel o seu conteúdo!
    um abraço e visite-nos sempre!

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  3. não, não, não tente escrever de forma simplificada, escreva do seu jeito, deixa q eu tentar matutar daki a complexidade do seu pensamento tentando entender todas essas complexidades teóricas da antropologia rsrsrsr, obrigada por ter me convidado, é uma honra p/ mim ler o q vc escreve e pensa, mais aventuroso e gratificante ainda será eu compreender da forma mesmo q vc escreve :)

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  4. Agradeço a acolhida. bom saber que estou tendo oportunidade de dialogar com MEUS leitores,rsrsr.
    Pode deixar que manterei a linha do meu modo de escrever, e espero sempre contar com a sua cativante presença no meu blog!
    um abraço.

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  5. COMO ASSIM ANTROPOLOGIA POS-MODERNA EM BOURDIEU??? Nao, rapaz nao ha pos-modernismo em Bourdieu, mas o contrario.

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    1. Olá, anônimo!rsrsr
      De fato não há um pos-modernismo em Bourdieu, mas sim uma leitura ousada da antropologia pos-moderna sobre o pensamento de Bourdieu. Acredito que não me expressei aequadamente no texto!
      Muito bom, valeu pela observação e não deixe de visitar nosso blog!

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