TALES DE MILETO: APROFUNDANDO A CONCEPÇÃO DE ÁGUA COMO ARCHÉ
Ola pessoal, como vocês estão?
Uns dois dias atrás eu estava lecionando filosofia para os alunos do 1ª
ano do Ensino Médio, conversávamos sobre os pré-socráticos, especificamente
sobre Tales de Mileto, foi quando um dos meus alunos fez a seguinte observação:
professor eu andei pesquisando sobre
Tales de Mileto, mas tudo o que eu encontrei foram pequenos textos, e todos
falam sempre a mesma coisa e sem nenhuma contribuição, praticamente repetiam
tudo o os demais texto falam... do seu ponto de vista qual é a sua reflexão sobre a teoria de Tales? Achei muito
pertinente a situação que o aluno me colocou. Lembro-me que durante o meu
ensino médio o professor esgotou todo o conteúdo dos pré-socráticos em uma única
aula de 35 minutos!...Então resolvi postar alguns fragmentos da minha aula
sobre Tales, que foram desenvolvidas em três aulas de 60min, e o que é mais
legal com boa participação dos alunos.
O
primeiro fato a ser levado em consideração, quando se fala dos pré-socráticos é
a sua distância temporal em relação a nós. Isso implica em um problema,
qualquer proposição formulada sobre as teorias pré-socráticas recairá em hipóteses
ou conjecturas. Dai que um exercício hermenêutico dos fragmentos textuais de
outros filósofos posteriores, e mais próximo do que nós, é importante para
abstrair aquilo que seria a essência dessas teorias.
Todos
que fizeram o percurso filosófico (ensino médio ou superior) provavelmente já ouviram
falar de Tales de Mileto, reconhecido historicamente como o primeiro pensador a
ser denominado filósofo no sentido restrito do termo. Tales foi um homem
extraordinário, Filósofo, matemático, astrônomo, teve influencias intelectuais
dos Egípcios e dos babilônicos, além de visitar outras regiões do velho mundo.
Como
outros pré-socráticos, caracterizado pela reflexão sobre a natureza, Tales
procurou refletir sobre o elemento ou substância primordial, denominado em
grego de arché. A arché é o elemento de reflexão da “coisa”
universal que comporia não o mundo, necessariamente em si, mas a sua realidade
tal qual a conhecemos e tal qual ela se “mostra” a nós.
A primeira máxima de Tales
sobre este elemento universal foi a seguinte: tudo é agua. Tales afirmava que a água era a substância primordial
de todas as coisas. A perspectiva de Tales é que a água era a própria substância
do ser, enquanto natureza ontológica. A água não era necessariamente a água. Ela
é a substancia da physis da qual se é
possível pensar a realidade holística do universo, já que o termo grego aponta não
somente para aquilo que é físico, ou natureza, mas também podendo conotar a
ideia de origem, de movimento e transformação das coisas. A água possui um
ciclo de transformação de estado (solido, gasoso e liquido) sem, contudo, perder
a sua característica hídrica. Interessante notar que alguns textos coloca a
ideia de Tales da seguinte forma: quando densa, se transformaria em terra;
quando aquecida, viraria vapor que, ao se resfriar, retornaria ao estado líquido,
garantindo assim a continuidade do ciclo. Nesse eterno movimento, aos poucos
novas formas de vida e evolução iriam se desenvolvendo, originando todas as
coisas existentes.
O
cerne não é o estado da água em si, mas essencialmente a natureza do ser em
movimento (aqui não se trata também, da concepção do devir de Heráclito: panta rei
os potamós ). Alguém poderia contestar essa proposição e que Tales pensava
a água como água nos termos científicos de hoje, ou simplesmente e literalmente,
água. Tudo é agua, ou seja, tudo é feito de água, não é necessariamente isso. Pra
falar a verdade, a concepção de água de Tales de Mileto não representa,
provavelmente, a mesma concepção de água que temos hoje. Tudo é agua, a água é
a physis, tudo é physis. Podemos propor aqui a tentativa de Tales de desafixar a
realidade da cosmogonia, propondo uma alternativa racional para a compreensão
do mundo a partir de um elemento totalmente concreto e empírico. Parece ser
estranho a declaração filosófica de Tales sobre a realidade hídrica do
universo, mas sua declaração é de cunho hermenêutico, não é um conceito pautado
na doxa, no senso comum, é um forma
de enunciação sobre os aspectos da realidade das coisas que virou, agora, objeto
de reflexão sistêmica, outro fator importante é que a enunciação rompe com o caráter
mitológico da cosmogonia dominante de sua época e o conduz a uma ideia mais
ampla e condensada da unidade da realidade, produzindo uma concepção monista da
universo baseado na arché.
Ainda sobre Tales, umas das suas afirmações mais contundentes,
é: tudo
tem alma e ainda que tudo está cheio
de deuses. A água (no caso a arché)
conferia anima as coisas. Aqui um
novo conceito é adicionado por Tales a sua teoria. O que significa anima? E porque ele afirma em sua
proposição dizendo que tudo tem alma ou que está tudo cheio de deuses? A concepção
de alma na cultura grega está relacionada a sua semântica, apesar da maioria dos
textos trazerem o termo anima (originário
do latim e não do grego) a concepção ainda assim é empregada nos termos da psyché grego. Do latim ou do grego o termo nos remete
ao ser que se move por si mesmo, não necessariamente, que tenha vida e,
diferentemente da concepção de alma que será formulada posteriormente pela
cultura judaica-cristã. Tales compreende a alma (ou estado de anima) intrinsicamente a coisa, sendo
ela responsável por constituir a sua natureza. A “alma”, na concepção de Tales,
não está na coisa, como na concepção teológica de alma, é a própria coisa
sendo. Sendo assim, pode-se afirmar que tudo tem alma, porque há um principio arquétipo
em tudo. A tentativa de Tales de raciocinar a arché a partir de um elemento primordial tangível foge da concepção
pampsiquística (concepção que atribui consciência as coisas inanimadas) pois, a
água é, filosoficamente, princípios racional das coisas e por isso estaria
contido em tudo.
Já na afirmação que as coisas estariam cheias de
deuses é intrigante e provocador. A afirmação de Tales sobre as coisas estarem
cheias de deuses mostrava a conjectura da realidade cosmológica reflexionada
pelo filósofo. A concepção de um universo uno e homogêneo era o que subjazia na
sua proposição. A comparação entre deuses (concepção politeísta) e deuses (princípios
arquétipos do ser) perpassava a noção de que teos seria o princípio categórico que tornaria possível o próprio mundo,
o que caracterizava bem a arché. Mas,
pelo uso vernacular do termo poderíamos dizer também que é uma qualificação
bastante genérica, uma vez que a atribuição e interferências dos deuses gregos
no mundo humano era uma ideia bastante dissipada e, portanto, familiar. Por outro
lado, fica aberto para jogar com a nossa imaginação sobre o que realmente são
esses deuses...
Não vou me estender mais...
Espero que tenham gostado. Temas transversais,
analogias e apropriações modernas foram colocados durante as aulas para fixar
melhor o entendimento sobre Tales de Mileto. Para os que lecionam filosofia, é importante
conduzir os jovens para além dos limites dos textos didáticos e incentivar o
diálogo e o debate filosófico.
Ficarei devendo na próxima postagem essas
analogias....
Parabéns pelo post. Tales de Mileto foi sem dúvida um grande filósofo-científico.
ResponderExcluirLamento que os pré-socráticos serem, não generalizando, em muitas aulas do ensino médio, tratados com certa negligência, passando uma imagem bem supérflua e até criando certos estereótipos em relação à importância deles. Ora, quem pode negar a tremenda influência e importância de Parmenides? Digo isso por experiência própria! Durante o ensino médio eu tive a msm professora de filosofia. Ela passou todos os pré-socráticos num só trago. Rsrs
Não só eles, mas outros de grande importância como John Locke, Berkeley, Hume. Passavam eles todos de uma vez, numa síntese, todos representantes do empirismo britânico.
Mas não deixo de ser grato pelas aulas.
Desculpa pelo desabafo. Rsrs
Parabéns pelo post.
Parabéns pela reflexão de um tema tão complexo nesta frase que nos leva por vários caminhos do saber filosofico.
ResponderExcluirAnaue!
ExcluirObrigado, em breve teremos um pouco mais dos demais pre-socráticos.
Um grande abraço.