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TOMASELLO: LINGÜÍSTICA, LINGUAGEM E CULTURA

TOMASELLO: LINGÜÍSTICA, LINGUAGEM E CULTURA
Paulo Roberto de Sousa, antrop.

A linguagem sempre foi considerada um mistério humano. Desde tempos remotos, na Grécia antiga, por exemplo, a linguagem já era discutida em relação ao seu uso no ato de nomear. Esta questão também se estendeu aos filósofos e muitos trilharam os mistérios que acarretava o uso da linguagem.
Entre os muitos autores que discutiram esta questão está Tomasello, autor do qual trataremos aqui, toma a princípio as indagações de Ludwig Wittgenstein a cerca da linguagem e seu uso. Ora, a ciência da linguagem vem avançando muito e é nesta discussão que a obra de Tomasello vem dar uma contribuição significante para entendermos como se dá a comunicação lingüística e as representações simbólicas do qual somos lançados ao nascermos e cuja problemática se resume naquilo que os teóricos da linguagem definem como aquisição da linguagem.

Para Tomasello, a principio, uma coisa é certo: “a linguagem não surgiu do nada. Não caiu na terra vindo do espaço sideral como um asteróide perdido, assim como, apesar das idéias de alguns estudiosos contemporâneo como Chomsky (1980), tampouco surgiu de alguma mutação genética bizarra sem nenhuma relação com outros aspectos da cognição e vida social humana” (Tomasello, 2003,130). Tomasello acredita que a linguagem, assim como outros elementos culturais, é uma instituição humana que foi se desenvolvendo historicamente a partir de relações e atividades sociocomunicativas.

Estas relações sociocomunicativas perpassam uma dinâmica que o autor nomeia como “...várias atividades comunicativas não-linguiticas e de atenção conjunta de que participam crianças em idade pré-lógica e adultos” (Tomasello, 2003, 132). Essas atividades de atenção conjunta, elemento que permeará todo o trabalho do autor, possuem a característica de possibilitar que “as representações simbólicas que as crianças aprendem em suas interações sociais com outras pessoas são especiais porque são (a) intersubjetivas, no sentido de que os símbolos é socialmente “compartilhado” com outras pessoas e (b) perspectivas, no sentido de que cada símbolo apreende uma maneira particular de ver algum fenômeno (a categorização sendo uma caso especial desse processo)”. (Tomasello, 2003, 133). O que Tomasello intenciona aqui é que os símbolos lingüísticos possuem uma capacidade singular e infinita de maneiras de interpretar intersubjetivamente o mundo a qual nós estamos imerso e que esta infinitude transforma a natureza das representações, principalmente nas crianças onde o processo se inicia e amadurece.
Se por um lado falou-se que a linguagem não caiu do céu feito um asteróide, e de fato não caiu, por outro, surgirão implicações de “como” ou de “onde” esta linguagem se originou. Tomasello vem-nos clarear esta questão com as hipóteses das bases sociocognitivas da aquisição da linguagem que consiste em:
(a)cenas de atenção conjunta como fundamentação sociocognitivas dos primórdios da aquisição da linguagem;
(b) a compreensão das intenções comunicativas como principal processo sóciocognitivo por meio do quais as crianças compreendem o uso adulto de símbolos lingüísticos;
(c) a imitação com inversão de papeis como principal processo de aprendizagem cultural por meio do qual a criança adquire o uso ativo dos símbolos lingüísticos.

Tomasello critica o fato de que muitos teóricos descrevem os atos de referenciação lingüísticas com apenas dos itens: o símbolo e seu referente no mundo perceptual. O que também já havia sido questionado por outros autores como o próprio Wittgenstein (1953) e Quine (1960). Esta crítica consiste segundo descreve Tomasello “é empiricamente inadequada em vários sentidos, talvez, sobretudo em sua incapacidade de dar conta da aquisição e do uso de símbolo lingüísticos cujas conexões com o mundo perceptual sejam, no mínimo, tênues, ou seja, a maioria dos símbolos lingüísticos que não são nomes próprio ou substantivos básico (por exemplos, verbos, preposições, artigos, conjunções...)”. (Tomasello, 2003, 135).

Assim poderíamos dizer que para Tomasello as cenas de atenção conjunta são as interações sociais nas quais as crianças e o adulto, prestam conjuntamente atenção a uma terceira coisa, e à atenção um do outro à terceira coisa, por um período razoável do tempo. Estas possuem variadas situações como, interação de atenção conjunta, episódio de atenção conjunta, envolvimento de atenção e formato de atenção conjunta. Uma coisa, porém é claro, essas cenas não são eventos lingüísticos, mas são definidas intencionalmente e mais, são elas que fornecem o contexto intersubjetivo em que se dá o processo de simbolização.

Em relação a simbolização Tomasello diz que para “aprender a usar um símbolo comunicativo de maneira convencional apropriada, a criança tem de se envolver no que chamei de imitação com inversão de papeis (Tomasello). Ou seja, a criança tem de aprender a usar um símbolo dirigido ao adulto da mesma maneira como o adulto o usou dirigido a ela.” (Tomasello, 2003, 147), pois a aquisição da linguagem não tem somente bases sociocognitivas, mas também, sociointerativas, pois precisamos compreender como essas aptidões lingüísticas são usadas na pratica para aprender símbolos lingüísticos. Ainda segundo o autor todos os estudos realizados até agora estava em torno da questão de como as crianças determinam, numa dada situação, o objeto, o evento ou a propriedade especifica a que o adulto está se referindo. Para isso Tomasello procura no termo perspectiva a solução para esta questão, uma vez que a perspectiva possibilita situar uma mesma entidade na suas infinitas formas categoriais (conceituais) em número sem fim de propósitos com fins comunicativos estendendo para outras coisas também. Poderíamos sintetizar nas palavras do próprio autor quando diz que “os símbolos lingüísticos são conversões sociais para induzir os outros a interpretar uma situação experiencial ou assumir uma perspectiva em relação a ela” (Tomasello, 2003, 165). Com isso poderíamos afirma que para ele a natureza perspectiva dos símbolos lingüísticas torna-se, por sua abrangência, elemento fundamental da concepção da linguagem, também conhecida como Lingüística cognitiva ou funcional. Isso é de fundamental importância, pois os símbolos lingüísticos ao serem utilizados pelas crianças remetem a sua intersubjetividade, elemento já citado aqui, o que amplia o processo de aquisição da linguagem já que a arbitrariedade de utilizar este ou aquele símbolo se multiplique consideravelmente ao longo do crescimento da criança.
Poderíamos resumir todo esse itinerário de Tomasello nas suas próprias palavras “o ponto central é simplesmente que a dimensão cultural/intencional/simbólica das representações cognitivas das crianças na primeira infância se faz sentir não só na linguagem mas também em outras formas de atividades simbólicas, e essas outras formas são mais uma confirmação de que os símbolos humanos são inerentemente sociais, intersubjetivos e perspectivos – o que os torna fundamentalmente diferentes das formas de representação sensório-motora comum a todos os primatas e outros mamíferos.” (Tomasello, 2003, 183).
A reflexão de Tomasello não se encerra nestes estudos sobre a explicação da aquisição de símbolos lingüísticos, ele nos conduz a construção lingüística e a cognição de evento. Para ele estas questões estão ligadas a ontogênese individual, pois de alguma forma na mais tenra idade o ser humano utiliza suas habilidades de aprendizagem cognitivas, sociocognitivas e cultural, que é universal em qualquer grupo humano, para compreender e adquirir as construções lingüísticas que suas culturas particulares forjaram ao longo do tempo através de processos e meios de sociogêneses (Tomasello, 1995, 1999).
Uma coisa é certa, as crianças, segundo Tomasello, falam de eventos e estados de coisas no mundo. Para poder se pensar em como elas fazem este processo, a cognição de eventos, o autor, coloca que é por meio de holófrases, construções verbais insuladas, construções abstratas e narrativas.
Em fim, os estudos de Tomasello vêm nos enriquecer a cerca dos processos culturais na origem da aquisição da linguagem e desenvolve inúmeras reflexões a partir de estudos de vários autores o que de fato enriquece a reflexão sobre este processo humano da aquisição da linguagem.

Tomasello, Michael. Origens Culturais da aquisição do conhecimento humano / Michael Tomasello: tradução Claudia Berlierer. – São Paulo: Martins Fontes, 2003. – (coleção tópicos). Titulo original: The Cultural Origins of human cogniticion.

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