ARQUEOLOGIA DAS NARRATIVAS TREMEMBÉ I



Îagûatïrïka Kaí awé
(O Gato-do-Mato e o Macaco)


Como no post anterior em que narro O Mito do Mokororó e Cosmovisão Tremembé: Resgatando Mitologia E Deuses Da Cultura Tremembé, no post de hoje vamos abordar elementos que fazem parte da nossa forma de ver o mundo e as coisas que tem nele. Dentro daquilo que poderíamos denominar de ethos Tremembé, o modo de ser da gente. As histórias de dormir, de certa forma, plasma a nossa cosmovisão (costumes que infelizmente tende a se acabar). Na infância aprendi sobre muitas coisas a partir das narrativas de dormir, de lobisomem a iaras, de guajaras (kaagûara) a espíritos/encosto(Awasaí), de heróis a encantados.

Conta os mais velhos que antigamente, o mundo era habitado apenas pelos animais. Eles se casavam, brincavam, dançava Torém, tomavam mokororó. Nesse tempo os animais falavam a mesma língua e todos se compreendiam, eles ainda falam, mas na sua própria língua, na língua das suas espécies. Kaí (o macaco) era amigo de îagûatïrïka (gato-do-mato).

kaí


îagûatïrïka

 Os dois conversavam muito e andavam para todos os lados. Passavam horas andando pelas praias ou catando siri pelos mangues. Um dia desses, de tardinha, os dois estavam caminhando por uma vereda encontram um mbeîú (beijú). O kaí muito esperto disse para îagûatïrïka:

Îagûatïrïka: epïak! oré oroso karu ko mbeîú koïr! (olha! Vamos comer este beiju agora!)

Kaí: ko mbeîú katu wé umé! (este beijú ainda não está bom). Oré orosó moingó ae ïwïrá ari. (vamos coloca-lo em cima da arvore)

Îagûatïrïka pediu então que kaí levasse o mbeîu para cima de uma árvore. Para que o sol deixasse o beiju ainda gostoso. Quando chegou a noite kaí foi na árvore e comeu ¼ do mbeîu. De manhã îagûatïrïka chegou com kaí, convidando-o para comer o mbeîu. Mas kaí disse que falta ainda, ele ainda tava muito mole. A noite, kaí voltou a árvore e comeu mais terço do mbeîu. Îagûatïrïka voltou e escutou as mesmas desculpas e retornou para a sua casa próximo dos manguezais. A noite kaí comeu todo o mbeîue voltou barrigudo pra sua casa.



No dia seguinte, îagûatïrïka estava sem paciência e disse para kaí que estava com muita fome e queria comer naquele momento o mbeîu. Kaí então pediu que seu amigo fosse na frente porque ainda ia terminar de fazer um îereré.
 Îagûatïrïka se pôs a caminho.
Kaí então, procurou uma pedra branca, bem grande e achatada, parecida  com o mbeîu e, se adiantando pelos atalhos pôs a pedra no lugar do mbeîú. Quando chegaram na árvore, kaí subiu e gritou com alto:

Kaí: eîaw! Eîaw gûasu ndé îuru! (abre! Abre bem a tua boca),

Kaí então jogou com toda força lá do alto a pedra.
A pedra se chocou com tanta força  nos dentes da Îagûatïrïk e eles quebraram em vários pedaços. Nessa época os dentes do Îagûatïrïka eram liso como os nossos. Foi dai que eles adquiriram dentes afiados.
Îagûatïrïka ainda tentou apanhar kaí, mas ele era um ótimo escalador de coqueiros. Até hoje Îagûatïrïka tem cisma com kaí.

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