Nota de Apoio do Corpo Discente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas aos Povos Indígenas do Sul do Amazonas
Nota de Apoio do Corpo Discente do Programa de
Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas aos
Povos Indígenas do Sul do Amazonas
Os
povos indígenas da região do Rio Madeira trazem em suas trajetórias a marca da
histórica perseguição desenfreada ao longo dos processos de ocupação da
Amazônia. Trata-se de atos de genocídio que culminaram na perda de territórios
e na dizimação de milhares de vidas. Uma atualização deste processo – de
investida contra os grupos indígenas da região do Rio Madeira – tem se mostrado
a partir da emergência de manifestações violentas de desrespeito aos direitos
indígenas e apontam para inúmeras tentativas em reverter direitos já
estabelecidos na Constituição, como no “capítulo VIII, artigo 231, onde é
conferida à União a responsabilidade de demarcar suas terras, garantir a sua
proteção, bem como todos os seus bens e o que é previsto na Convenção n° 169 da
OIT e no Decreto n° 6.040 de 07 de fevereiro de 2007”.
Tais
manifestações estão sendo operadas de maneira extrema no Sul do Amazonas,
justificadas a partir do suposto desaparecimento de três homens não-indígenas
na Terra Indígena Tenharim do rio Marmelo. Desde então, os indígenas da região
passaram a ser hostilizados e uma onda de violência e ataques ao patrimônio
público revelou a discriminação e a intolerância que tomaram conta das ruas de
Humaitá, Manicoré e Apuí.
Diante
desses fatos, nós, alunos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social
da Universidade Federal do Amazonas, gostaríamos de expressar a nossa
solidariedade ao Povo Indígena Tenharim, bem como às famílias dos
desaparecidos, que estão preocupadas e merecem respostas a respeito do que de
fato aconteceu. No entanto, precisamos deixar claro nosso total repúdio à forma
como interesses econômicos e políticos estão sendo colocados em primeiro plano,
a despeito da dor dessas famílias, da integridade física dos indígenas e dos
moradores de Humaitá, bem como dos direitos constitucionais citados acima.
Os
fatos que estão ocorrendo no município de Humaitá não são ações de
solidariedade às famílias dos desaparecidos, muito menos de responsabilidade
destas. Os verdadeiros promotores da destruição, da difusão de ideias racistas
e das agressões, tem feito uso dos meios de comunicação para favorecer seus
interesses. São eles: madeireiros, garimpeiros e políticos da região de
Humaitá, Manicoré e Apuí. Basta uma pesquisa simples para notar que essa região
tem sido o principal alvo de disputas territoriais pelo agronegócio, marcada
pela exploração de recursos naturais, pelo aumento notório do desmatamento e
pela proliferação de garimpos ilegais no estado do Amazonas.
Os
diferentes grupos empresariais que se estabeleceram na região, tem aproveitado
o momento de comoção da população local e orientado todos a agir violentamente
contra os indígenas, fazendo uso de um argumento pretensamente de justiça e
humanitarismo. Em absoluto não é disso que se trata. Isso fica claro quando
foram promovidos os incêndios contra os veículos de atendimento e as sedes de
assistência aos indígenas em Humaitá,
também às aldeias Tenharim na T.I, que ocorreram no
curso desses fatos. Um dos argumentos utilizados é o de que os indígenas cobram
pedágio de forma irregular na BR 230 (Transamazônica). Para os indígenas essa é
uma forma de compensação ambiental pelos danos causados pela abertura da
rodovia. Fato que parece encontrar eco no MPF/AM que incluiu os Tenharim e os
Jiahui no relatório da Comissão da Verdade, que busca reparar os crimes
cometidos pela Ditadura Militar.
Não
bastasse a violência concreta, física e material, as redes sociais e blogs
foram, e estão sendo, inundadas por uma série de comentários preconceituosos,
de apologias aos crimes de ódio e de ameaças de morte aos indígenas e a quem os
apoia. Para nosso espanto, tais atitudes têm sido promovidas até mesmo por
docentes desta Universidade Federal do Amazonas, lotados no Campus do Polo Vale
do Rio Madeira, em Humaitá, o que esperamos seja objeto de atenção da
Instituição, por meio de processo administrativo.
Diante
dos fatos expostos, esperamos que seja dada a devida atenção à situação
extremamente tensa que está colocando em risco vidas humanas e que, em meio a
tanto ódio e preconceito, prevaleça o bom senso e que os direitos civis e
individuais, de indígenas e não indígenas, sejam respeitados.
Manaus, 14 de Janeiro de 2014.
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