Oi amigos do Xe mba’e!
Hoje trago mais um texto que
estou desenvolvendo para um artigo a ser enviado para algumas revistas de antropologia (ainda estou pensando este caso), mas, o destinatário real é meu povo Tremembé, para nosso maior enriquecimento social e cultural. O texto não está na íntegra. No texto que se segue procuro fazer uma análise de dois dos
diversos cantos que fazem parte do repertório do Torém, uma das maiores, mais rica e mais forte manifestação da
cultura do meu povo Tremembé. Espero que esta postagem possa abrir e desperta
outros a conhecer mais a realidade e a cultura dos Tremembé. Que também
divulgue o poromonguetá que estou
tentando reconstruir aos poucos. A abordagem tem caráter da linguística descritiva,
e aqui, agradeço ao meu ex-orientador do mestrado e grande amigo Prof. Dr. Frantomé
Pacheco (gastávamos horas incansavelmente falando sobre linguística e línguas
indígenas) e ao meu amigo Prof. Dr. Mateus Coimbra que possui um conhecimento
monstruoso de linguística e cuja companhia está sendo muito instrutivo para mim. Com eles
aprendi a gostar mais ainda da linguística. O texto original contém uma
diversidade maior de cantos, mas aqui partilharei apenas dois, sendo a mesma linha de análise para todo o texto.
ESTUDOS
LINGUISTICOS PRELIMINAR:
O POROMONGETÁ DO
TORÉM
Por
Mbo’esara Esãîã Tremembé, Antropólogo
e indígena.

A análise
aqui tem um caráter primário e não total, isto é, mostra as possibilidades de
interpretação dentro de um contexto específico, mas não especificado (pois
trata de uma espécie de poema como é característica de toda música). No torém as palavras “parecem” ser jogadas
ao acaso (“sem nenhum sentido e muitas vezes inventados” por esses “índios”, como
dizem irônica e infelizmente os populares da nossa região ou aqueles que acham
que indígenas só tem na Amazônia).
Esse acaso cria uma dissintonia com o restante estrutural da música (mesclando português e poromongetá), salvaguardada pela melodia, mas é uma característica muito corrente, para quem não sabe, na cultura musical indígena de diversos povos. Entre os Yanomami do noroeste do Amazonas, por exemplo, tive a oportunidade de catalogar e transcrever vários amoapë (cantos yanomami) e a maior parte deles, como no torém, são frases sem nenhum “sentido” (como diria os mais céticos), como em um canto belíssimo que se diz tima tima kë, tima tima kë aro kohiki poko kima tima tima kë corta-se, corta-se o galho da árvore aro repetindo várias vezes como numa espécie de mantra. (escutem um pequeno trecho que encontrei nos meus arquivos pessoais)
Esse acaso cria uma dissintonia com o restante estrutural da música (mesclando português e poromongetá), salvaguardada pela melodia, mas é uma característica muito corrente, para quem não sabe, na cultura musical indígena de diversos povos. Entre os Yanomami do noroeste do Amazonas, por exemplo, tive a oportunidade de catalogar e transcrever vários amoapë (cantos yanomami) e a maior parte deles, como no torém, são frases sem nenhum “sentido” (como diria os mais céticos), como em um canto belíssimo que se diz tima tima kë, tima tima kë aro kohiki poko kima tima tima kë corta-se, corta-se o galho da árvore aro repetindo várias vezes como numa espécie de mantra. (escutem um pequeno trecho que encontrei nos meus arquivos pessoais)
Esclarecido alguns dos pormenores seguiremos com os
textos do Torém.
Análise do canto: Vaguretê
ORIGINAL
|
VOCABULOS RECORRENTES
|
TRANSCRIÇÃO
|
SIGNIFICADOS
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Louvação (pedido de
licença)
O senhô dono da casa
Licença, quero pedi (BIS)
Que nós queremos dirristi
(divetir)
Nós queremos dirristi,
Nós queremos dirristi
E o vevê tem manibóia
Aninhá vaguretê
Aninhá vaguretê
|
Aninhá
|
aỹé
|
Certamente
Eis aqui
|
Vevê
|
Wewé
|
Voar
|
|
Manibóia
|
Maniywa
Mani mboia
Mani mboîu
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Talo da mandioca
Mandioca+cobra
Dar de beber a +
mandioca (aguar a maniva)
|
|
Vaguretê
|
Mba + gûirá-+eté
Mba+gureri+eté
wagûari+eté
|
Pássaro
verdadeiro
Ostra de verdade
Tipo de garça
|
Na primeira
coluna temos a letra coletada (e em negrito as palavras da língua antiga) na
segunda uma possível transliteração destas palavras e na terceira coluna uma
tradução não literal. Se fores como os conformes, as palavras sofreram
alteração linguística influenciada pelo português regional com perdas de
partículas, bem como de letras e vogais e acréscimo de outras. Apesar disso é
possível identificar sua raiz.
O vocábulo vevê possivelmente vem de wewé. Wewé é o verbo voar como na frase gûirá owewé o pássaro voa. Como é uma oclusiva bilabial a tendência é de
transcrever e associar o wewé ao “v” da língua portuguesa. Aninhá deriva de aỹé que
é um adverbio de modo eis aqui, e por
fim, vaguretê é um vocábulo composto
por va-gur-etê. O último termo da composição é claramente identificável isso é eté, cujo significado aponta para algo verdadeiro. –gur- pode ter sofrido corruptela das seguintes variações prováveis:
guirá, gurere ou waguari significando
respectivamente, pássaro, um tipo de ostra grande e uma espécie de garça
(oposto ao Guiratinga=garça no geral). O
eté justaposto ao termo principal
pode identificar um oposto (a falso pássaro, a ostra que não é ostra ou a garça
no sentido geral) que é complementado pelo prefixo mba ou mba’e que indica a
coisa em si (o ser) é uma ideia de
cunho bastante metafisico.
Esclarecidos alguns vocábulos
nestes termos podemos deduzir o seguinte:
ORIGINAL
|
TRANSCRIÇÃO TEXTUAL
|
TRADUÇÃO DA TRANSCRIÇÃO
|
Louvação (pedido de
licença)
O senhô dono da casa
Licença, quero pedi
(BIS)
Que nós queremos dirristi
(divetir)
Nós queremos dirristi,
Nós queremos dirristi
E o vevê tem
manibóia
Aninhá
vaguretê
Aninhá
vaguretê
|
wewé maniýwa
aỹé mbaegurereté
aỹé mbaguiráeté [variante 01]
aỹé waguarieté [variante 02]
|
(tem) maniva a voar (ao
vento)
Eis aqui a ostra
verdadeira
Eis aqui o passarinho
verdadeiro
Eis aqui a garça
verdadeira
|
O trecho é bastante pertinente tendo em vista a região litorânea do Ceará onde nós (Tremembé) estamos presente, menção ao cultivo da mandioca (maniva), ao molusco comestível e não tão abundante hoje nas nossas praias, as andorinhas e as garças que enfeitam os nossos alagados. Não é de se estranhar que as palavras do torém retratem fielmente a nossa paisagem.
O próximo canto é o VERANIQUATIÁ
ORIGINAL
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VOCABULOS RECORRENTES
|
TRANSCRIÇÃO
|
SIGNIFICADO
|
O veraniquatiá
E o verá tem bóirana
Prêprêprê tem
boinguê (BIS)
O veraniquatiá
E o verá tem bóirana
Prêprêprê tem boinguê
Sáia mussará o mangue
Prêprêprê tem boinguê (BIS)
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O veraniquatiá
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o-werawa+ni+kuatiara
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Brilhava por
causa da pintura
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O verá
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o-werawa
|
Brilhava
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Boirana
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Mboia-rana
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Cobra falsa
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Preprepre
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Pereá
Peá
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Animal
Deixar
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Boinguê
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Mboia-guê
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Ó cobra
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Saia
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Xãi
Xai
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Apenas
Torcida (coisa)
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Mussará
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Mosaraia
Mosaká
Mosaraia(ỹemossaraia)
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Brincar
Ferir os olhos
de
Fazer festa
|
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Mangue
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Mã+guê
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Oxalá
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O primeiro
vocábulo analisado neste segundo canto é o veraniquatia.
O que parece um artigo é, na verdade, a marca do sujeito “o-“ prefixo para a
terceira pessoal como na frase paranãme
osó : ele vai ao rio. Em seguida
–verá- do verbo brilhar weraw no processo de aglutinação
perdeu-se, como é decorrente no poromonguetá, a última silaba. Enquanto ni é a nasalização de ri, posposto ao
verbo significa por cause de
observamos na frase omanõ xe ri: ele morreu por causa de mim e cuatiá poderia derivar kuatiara significando pintura. No Tupi Antigo,
como no tupinambá, por exemplo, isso não ocorria, mas nas línguas gerais, dos
quais podemos citar o poromongetá e o Nheengatu amazônico (Língua Geral) é
comum a redução de palavras como curumim=curu, mussarai=musará, apigawa=apigá, dai o termo mussará
ser gravado em vez de musaraia. Esse
processo pode ajuda-nos a visualizar a dinâmica da nossa língua tremembé.
O segundo
termo boiarana que provavelmente
deriva do composto mboia+rana. Mboia
é cobra e o sufixo –rana remete ao
que é falso. Por exemplo, cajá é a
fruta enquanto cajarana seria uma cajá falsa, outro tipo de cajá sem ser a
verdadeira.
Para prêprêprê podemos usar o processo sofrido
por muitas palavras na nossa língua original, como não é corrente os encontros
consonantais pre provavelmente deriva
de peá (deixar). O mesmo ocorreu, por
exemplo, com o nosso etinômio Tremembé
que deriva de tïrïmembé, ou como na
palavra preá cuja raiz originalmente
se dizia pereá.
Já boinguê temos ai mboia que é cobra e guê
que é o vocativo. Bastante utilizado como, por exemplo, xe ruw guê! Óh meu pai!
Com o termo sáia teremos uma
derivação de xãi que significa apenas. Ao longo da história da evolução
das línguas gerais podemos observar alguns casos em que há mudança de x para o
“s” como em xe sy (minha mãe/tupi de
anchieta) para se manha (minha
mãe/língua geral do alto rio negro) o possessivo xe passou para se.
E para encerra este segundo canto, temos ai manguê, que a primeira impressão nos apontaria para mangue, tipo de vegetação muito abundante nos litorais do Ceará, mas o artigo empregado nos remete a um vocativo, sendo assim, esta palavra derivaria, possivelmente, de mã+guê. Apenas mã (oxalá) como interjeição, seria o bastante para integrar a ideia completa, mas o guê que é vocativo vem enfatizar ainda mais a expressão.
E para encerra este segundo canto, temos ai manguê, que a primeira impressão nos apontaria para mangue, tipo de vegetação muito abundante nos litorais do Ceará, mas o artigo empregado nos remete a um vocativo, sendo assim, esta palavra derivaria, possivelmente, de mã+guê. Apenas mã (oxalá) como interjeição, seria o bastante para integrar a ideia completa, mas o guê que é vocativo vem enfatizar ainda mais a expressão.
ORIGINAL
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TRANSCRIÇÃO TEXTUAL
|
TRADUÇÃO DA TRANSCRIÇÃO
|
O veraniquatiá
E o verá tem bóirana
Prêprêprê tem boinguê (BIS)
O veraniquatiá
E o verá tem bóirana
Prêprêprê tem boinguê
Sáia mussará o mangue
Prêprêprê tem boinguê
(BIS)
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o-werá-ri kuatiara
o-werá mboia-rana
peá, peá, peá mboiaguê
o-wera-ri-kuatiara
o-werá mboia-rana
peá, peá, peá mboiaguê
xãi mosaraia mãguê
peá, peá, peá mboiaguê
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Brilhava por causa da
pintura
Brilhava a falsa cobra
ó cobra, deixe-a!
deixe-a!
Brilhava por causa da
pintura
Brilhava a falsa cobra
ó cobra, deixe-a!
deixe-a!
oxalá é apenas
brincadeira
ó cobra, deixe-a!
deixe-a!
|
E isso.
Em breve postarei o artigo na integra.
Kwá post puranga retana, semú!
ResponderExcluirVc sabe quão feliz estou por(embora eu não seja um Tremembé) ler essas postagem sobre seu povo, principalmente no que diz respeito a língua. Parabéns pelo trabalho!
O “tem” talvez seja variante de “té”, “tẽ”, “tenhe” = mesmo, de fato
ResponderExcluirAgustai aiku retã kuá blogue!
ResponderExcluirBoingué pode ser mboî + ĩ + gué (=Ó cobrinha)
Anaué tom, ere!!
Excluirboingué pode ser mesmo "ó cobrinha"!!! é possivel.