Rep Guarani-kayowá: perdendo ou ampliando as fronteiras da identidade?
Olá, pessoal, tudo bom, estamos de volta como prometi e nesta postagem gostaria de partilhar uma análise crítica de um videoclipe bem bacana.
Porém, antes gostaria que vocês apreciassem.
Link do vídeo.
Bem, como vocês poderam perceber, o videoclipe foi produzido por um grupo de rap da etnia guarani kayowá e a letra é bem contundente, ou seja, ela remete a própria realidade do grupo. Provavelmente é o primeiro grupo indígena aqui no Brasil (não sei se existem grupos indígenas em outros países produzindo rap) a promover uma expressão musical diferente (rap) onde se pode apreciar uma língua indígena (o guarani-kayowá). Mas é justamente neste ponto que está o nó da questão.
Quando tomei conhecimento do grupo (Brô Mc’s) comecei a ler o que falavam sobre os rapazes. E uma grande parte dos comentários dizia praticamente a mesma coisa: porque os indígenas estão cantado rap? É um absursdo! Índios cantando musica norte-americanas.
O problema encontrado aqui neste tipo de argumento nos remete a uma postagem anterior (no arquivo deste blog).
A questão que podemos traçar aqui é: o que é ser ÍNDIO?
Absurdo não é, do meu ponto de vista, índios cantando rap em sua própria língua, absurdo é acreditar que as fronteiras identiárias de um grupo social ou étnico sumirão pelo simples fato de aderir a um costume ad extra de sua cultura. Na verdade, a fronteira da identidade está em constantes diálogos com outras. É nesse espaço dialógico onde construímos a identidade e não no isolamento étnico. Nenhuma cultura sobrevive isoladamente (embora muitos acreditem nisso). Não só se faz necessário esse diálogo inter-étnico como é importante para a sua própria manutenção. Também é importante saber que as “coisas” da interação entre fronteiras não migram, no sentido da troca (um perde e outro ganha), mas no sentido da partilha. Na verdade, todos ganham, pois se ampliam o horizonte da vivência de um grupo social.
Em síntese, ninguém deixa de ser o que é pelo fato de se aderir a um costume diferente da sua cultura, nenhum indígena deixará de ser indígena por estar cursando um nível superior, por está de paletó no senado, por ser skatista ou por estar cantando rap. Eu sou Tremembé, morei alguns anos com os yanomami, pintei-me como yanomami, cantei e dancei como yanomami e até participei dos rituais mais restritos do grupo. Passei vários meses ouvindo e falando a língua yanomami chegando ao ponto que até os meus sonhos eram sonhados em língua yanomami. Entretanto, em nenhum momento perdi a noção de quem eu era, um tremembé. Da mesma forma que alguém que não é indígena jamais poderá ser indígena pelo fato de usar um cokar ou um apulseira indígena!
Outro elemento importante neste objeto de análise é a escolha da expressão musical escolhida pelos jovens guarani-kayowá, o rap. O grupo poderia expressar a lamentável situação territorial em que vivem sua etnia na própria expressão musical. As críticas, sem profundida, expressa mais uma ignorância tanto da parte da compreensão da música, como da antropologia. Aqui faço minhas as palavras de Gabbay (2011) compreender a expressão musical de uma localidade como processo comunicacional orgânico do entendimento da música como um médiu, como um processo mediador entre as culturas.
Os meninos guarani-kayowá produziram música. E a música produzida como forma de expressão em grupos, comunidades, localidades, se realiza a partir de uma experiência cotidiana concreta. Isso faz com que ela atua como instrumento organizador da própria cultura na medida em que estabelece ou representa o diálogo originário das formas de expressão oral, isto é, a música formula um discurso social atravessado por uma rede de circunstancias sociais, culturais, territoriais, econômicas, dentre outras.
Não sei quantos concordarão comigo, mas uma coisa é certa, um olhar mais apurado para o que estes meninos estão produzindo perceberão que o que fazem está até mesmo para lá do que ele próprios imaginaram, pois estas manifestações musicais possibilitam o estabelecimento de esferas públicas alternativas baseada no diálogo e no descentramento de pressupostos, estereótipos (dos quais muito somos vítimas) e de tabus. Pois essa relação rap-guarani-kayowá entrelaça-se como uma composição social que atinge as mediações que vincula entre o eu e o outro, provocando uma irregularidade naquilo que acreditamos ser regular causando um processo de estranhamento em “nós”...
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