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XITIPAPIWEI: O RETORNO AO CAMPO


XITIPAPIWEI: O RETORNO AO CAMPO

 

Olá, pessoal, tudo bom com vocês, andei meio (muito) sumido, mas agora estou de volta. Vou procurar atualizar mais vezes o nosso blog.

 

Neste retorno gostaria de compartilhar com vocês uma experiência que vivi recentemente (não tão recentemente assim, 2011). Trata-se do retorno ao lugar onde fiz minha pesquisa de mestrado (2008-2010), o Xapono[1] de Xitipapiwei (conhecido também como Pohoroa Centro). 

 

SITUANDO A HISTÓRIA

Em meados do ano de 2010 estava trabalhando pela SEC AM (secretaria de Estado de Cultura) realizando oficinas de capitação de recursos via projeto na área cultural (especificamente do Pontos de Cultura) e pensa como dar um retorno a comunidade yanomami da minha pesquisa. Em 2011 quando retornei a cidade de Santa Isabel do Rio Negro, no médio rio Negro, fui convidado a trabalhar na área yanomami como professor pelos salesianos que ali trabalham. Foi uma oportunidade única e acabei aceitando. Assim, como a minha dissertação fora um tanto teórica (Mito e Ethos) poderia retribuir aos yanomami de uma forma mais viável (comumente, pelo menos até onde tive noticias, parte dos antropólogos apenas dão uma cópia da sua dissertação ou tese para a comunidade onde realizou a sua pesquisa). Meu desejo é que eu (com meus estudos) fosse realmente útil aos yanomami. E foi pela área da educação que retornei ao Marauiá (rio de acesso as xaponos yanomami).

Estava eu já na área yanomami trabalhando como professor no Ensino Básico. Foi uma experiência muito edificante, apesar dos percalços, como a falta de comunicação com a cidade e as longas distâncias que separa uma aldeia da outra e estas da cidade. Além de lecionar para os hirupë (as crianças), além disso, eu dava também formação para os monitores huyapë (os jovens). Estes eram jovens yanomami que servia de tradutor (e as vezes até de professor) para os professores não-yanomami contratados pela SEDUC-AM. Foi nessa circunstancias que pude perceber a debilidade e os passos morosos que caminha a nossa Educação Escolar Indígena. E o pior é que esse quadro está presente em todo o nosso Brasil...

Durante o primeiro semestre estive em um xapono chamado Tabuleiro e no segundo semestre fui enviado para outra aldeia, o xapono do pohoroa[2]. Uma vez estando neste xapono tinha nas mãos uma excelente oportunidade de poder visitar o xapono do Xitipapiwei, lugar da minha pesquisa.

 

A VIAGEM A XITIPAPIWEI


Xitipapiwei já há tempo havia sido abandonado (durante o decorre do meu mestrado). Seus moradores se mudaram para outra região (Pahanapisiwei conhecido pelos brancos de Balaio), mais farta e mais próspera, além de um igarapé navegável. Antes, no xitipapiwei o único caminho que se tinha era a da terra. Uma trilha, tão estável, como as nuvens no céu. Uma caminhada de cerca de 3h em mata fechada, com terrenos íngremes e irregulares. Resumindo, extremamente exaustivo. Mesmo sabendo que não havia ninguém lá resolvi ir. De companheiro eu tinha meus colega professores (uma aventura na certa para eles) e um senhor yanomami com sua filhinha de 10 anos. Ele ia na frente abrindo caminho, enquanto que íamos atrás sempre orientado pela suwëhëri[3].

Depois da andança nos aproximávamos cada vez mais do antigo xapono de Xitipapiwei. Já até comecei a reconhecer alguns restos de bananeiras que plantaram por ali. A clareira aos poucos foi surgindo. O xapono ficava no topo de uma pequena montanha e sua visão panorâmica era de tirar o fôlego. Podíamos ver o cordão de serras que circundava imensamente majestosa entorno do antigo xapono. Até que por fim chegamos.

 

 

NO XAPONO DE XITIPAPIWEI.


Chegando no alto da serra, onde estava o xapono tive um misto de alegria e de tristeza. O local onde ficava o xapono estava completamente cerrado. O pequeno centro do xapono, onde outrora eu ouvira os hekura[4] cantando e os ihiru correndo e brincando, estava repleto de mata. Um silêncio mórbido pairava ali. Olhei para cá e para lá. Vi apenas os esteios de madeiras que um dia foram casas, que resistira o tempo por terem sido feitos de âmago. Tudo era silêncio, não se escutava mais os amoamou[5] nem se via mais os praiai[6]. Demorei-me um pouco por ali e por aqui. Em seguida mais além, descemos perto de uma nascente e atamos as redes, pois íamos pernoita, já que não dava de retornar a noite.


Na rede, olhando o céu estrelado entre as folhas das copas das árvores enegrecidas pela noite fiquei com o pensamento prostrado no passado. Refletia também sobre como a presença humana modificava completamente o ambiente. Como aqueles esteios secos e duros cravados no chão um dia sustentaram redes. E que nessas redes havia pessoas. E que nessas pessoas havia todo um universo de conhecimento. E que esse universo de conhecimento repousava alegremente, com os pés cansados e as mãos calejadas suspirando para si mesmo e exclamando: ya maharixi totihiwë! [8]...

Noutro dia, depois de tomarmos café retornamos para a escola lá no xapono do Pohoroa. Foi assim que retornei ao meu lugar de pesquisa. Mas, também estou alegre porque lá no Pahanapisiwei todos estão bem e seguem suas vidas, caçando, cantando, dançando e contemplando a farta serra do Kaxitawë[8].

 

 

 

[1] xapono em yanomami significa aldeia, ou, casa. Sendo que esta última definição recebe outra denominação yahi. Toda xapono pode ser uma yahi (uma aldeia pode ser uma casa) mas ,nenhuma  yahi pode ser um xapono. (nenhuma casa pode ser uma aldeia).

[2] pohoroa em yanomami significa cacau.

[3] suwëhëri significa menina na faixa etária citado no texto. Entre os yanomami há uma extensa nomenclatura para cada fase do desenvolvimento humano.

[4] hekura ou xapori são as denominações dadas aos xamãs yanomami.

[5] amoamou são os cantos tanto masculinos, quanto femininos. Entre os yanomami as musica possui gênero. Raramente um homem cantará uma música de suwë, isto é, de mulher.

[6] praiai são as danças yanomami.

[7] trad: “ estou com muito sono!”.

[8] trad: serra da formiga de fogo.

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