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HIERARQUIA E SUBORDINAÇÃO:
AS BASES DA ANTROPOLOGIA
DE LOUIS DUMONT E MARYLIN STRATHERN.
A antropologia é marcada por diversas formas de abordar o campo e entre as idéias mais ousadas talvez tenham sido desenvolvidas nestas ultimas décadas. Entre essas novas perspectivas antropológicas está a forma de trabalhar antigos conceitos como, por exemplo, a hierarquia, mas quando dotado de uma visão aguda e incisiva, como a de Louis Dumont, elas se apresentam como um bom instrumento para repensar o pensamento antropológico. Vejamos como a idéia de hierarquia e subordinação remete aos trabalhos críticos de pesquisadores como Louis Dumont e de Marylin Strathern.
Para que Dumont pudesse encontrar na velha hierarquia um novo aparato de crítica, foi preciso repassar algumas idéias e uma análise mais aguçada onde “se se considerar os sistemas de idéias e valores, pode-se ver os diferentes tipos de sociedades como representantes de outras tantas opções diferentes, entre todas as alternativas possíveis”. O movimento parte, entretanto do método comparativo usado pelos antropólogos como óculos para examinar as sociedade, porém, “tal modo de ver não basta para consolidar a comparação, para formalizá-la, por pouca que seja. Para tanto, cumpre levar em conta, em cada sociedade ou cultura, a importância relativa dos níveis de experiência e de pensamento que ela reconhece, ou seja, usar os valores mais sistematicamente do que tem sido feito, de um modo geral, até agora. Com efeito, o nosso sistema de valores determina toda a nossa paisagem mental. Vejamos o exemplo mais simples. Suponha-se que a nossa sociedade e a sociedade observada apresenta ambas, os mesmo elementos A e B. basta que uma subordine A a B e a outra B a A para que resultem diferenças consideráveis em todas as concepções. Por outra palavra,a hierarquia interna da cultura é essencial para comparação”.
Para Dumont da comparação provem a diferença e se interliga, assim ele diz “sublinhemos com clareza a estreita união, a unidade desse princípio com os precedentes: acento sobre a diferença, isto é, sobre a especificidade de cada caso; entre as diferenças, acento a diferença entre “eles” e “nós” e, portanto, entre moderno e não moderno, como epistemologicamente fundamental; enfim, acento no interior de toda e qualquer cultura sobre níveis os hierarquizados que cada uma apresenta, ou seja, a ênfase sobre valores como essenciais para a diferença e para a comparação.” Essa dinâmica é tão fundamental para ele que o fato de experienciar uma realidade tão peculiar, como a cultura indiana de castas, não o impede de levar a uma dimensão maior como ele mesmo nos informa “é verdade que, de fato, foi o campo indiano, ao qual se aplicava minha investigação, que me levou, de certo modo, a redescobrir a hierarquia, mas é evidente, em retrospecto, que estava ai um elementos necessário ao aprofundamento da comparação”. Pois “a hierarquia é precisamente o objeto de uma versão profunda em nossa sociedade”.
Dumont não tem duvida de que a hierarquia desempenha um papel importante ao pesquisador e que está posto ai na sua frente, pois, “precisamente, a aversão pela hierarquia desempenha, talvez, um papel neste caso. Se a distinção das situações requer a consideração de valores, ou seja, a introdução da hierarquia, e se o pesquisador moderno se esquivar a esta, ele pode ser propenso a rejeitar ou a neutralizar uma ‘situação’ epistemológica desse gênero”. Por essa razão coloca que a “... oposição hierárquica à oposição entre um conjunto (e, mais particularmente, um todo) e um elemento desse conjunto (ou desse todo)”. E seu intuito é claro já que “essa oposição analisa-se logicamente em dois aspectos parciais contraditórios: de uma parte, o elemento é idêntico ao conjunto na medida em que faz parte deste (um vertebrado é um animal); de outra, existe uma diferença ou, mais estritamente, uma contrariedade (um vertebrado não é – somente- uma animal, um animal não é - necessariamente – um vertebrado)”. Poderíamos definir isso com nossas próprias palavras, mas, deixemos o autor falar, já que é bastante claro como, por exemplo, quando diz “toda a relação de um elemento com o conjunto de que ele participa introduz a hierarquia é englobamento do contrário.”
A hierarquia perpassa muito da análise dos pesquisadores pois as “relações hierárquicas estão presente em nossa própria ideologia... mas elas não se manifestam como tais.” Daí que elas emergem nos trabalhos de autores mais consagrados da antropologia como na obra de Hertz, de Evans-Pritchard e Bourdieu, só pra não perde o homem de vista, “vê-se que a concepção hierárquica de uma oposição como essa entre direita e esquerda nos remete à distinção de níveis na ideologia global.” E ainda que “Essa hierarquia de níveis resulta na própria natureza da ideologia: postular um valor e postular, ao mesmo tempo, um não valor, é organizar ou constituir um dado onde o insignificante subsistirá.”
Assim, para Dumont “a hierarquia dos níveis é, pois, hipoteticamente, um desses traços universais que pesquisamos no começo”. E é por essas referencia que a hierarquia marca constantemente o pensamento de Dumont já que é muito própria da antropologia procurar essa relação, aliás, o próprio Dumont aponta “se unir a diferença é, ao mesmo tempo o objetivo da antropologia e a característica da hierarquia, ambas estão fadadas a uma inter-relação assídua.”
Falar de hierarquia em um nível e de subordinação de outro, seria a mesma coisa? Ou a mesma coisa é um caminhão cheio de japonês? Não importa, o trabalho de Dumont não está sozinho quando o assunto é a critica ao modo como é posto, ou pensando, a hierarquia em qualquer que seja seu nível ideológico. Para compreendermos melhor essa crítica, nada mais nada menos, melhor indicado do que o marcante pensamento de Marylin Strathern.
Parte do trabalho da autora em sua inigualável obra, não querendo exagerar, O gênero da Dádiva parte da atividade simbólica da região da Melanésia mobiliza, como diz a autora, representações de gênero. Nesta mobilização de representações “...há um duplo perigo de cometer equívocos culturais na interpretação das relações masculino-feminino”. A hierarquia no gênero dentro da cultura perpassa a idéia de subordinação que é a principal referência no pensamento de Strathern, pois “a linguagem analítica parece criar-se a si própria como cada vez mais complexa e mais distante das “realidades” dos mundos que ela procura retratar, e não menos das linguagens nas quais os próprios povos as descrevem.”
Strathern, como Dumont, remete a comparação na antropologia como algo ambíguo, produtor de dualidades e é ainda mais critica quando diz que “o procedimento comparativo, ao investigar variáveis que cruzam diferentes sociedades, normalmente descontextualiza os constructos locais para trabalhar com constructos contextualizados analiticamente”. Como estamos falando em comparação de gênero no interior da cultura e essa vem da sociedade, nada melhor que partir da sociedade para encontrar o locus da crítica. Mas Strathern deixa claro que, talvez não seja a sociedade em si, mas aquela sociedade percebida pelo antropólogo, “a ‘sociedade’ é vista como aquilo que conecta os indivíduos entre si, as relações entre eles. Assim, concebemos a sociedade como uma força ordenadora e classificadora e, nesse sentido, como uma força unificadora que reúne pessoas que, de outra forma, se apresentaria como irredutivelmente, singulares. As pessoas recebem a marca da sociedade ou, alternativamente, podem ser vista como transformando e alterando o caráter daquelas conexões e relações.” E é nessa alternância entre indivíduos e sociedade que ela aponta que “no coração da antinomia encontra-se subtendida uma relação de dominação (como em nossas idéias contrastantes a respeito da sociedade atuando sobre os indivíduos e estes conformando a sociedade).” E que antinomia é esta? Perguntamo-nos, simples, diz Strathern, o fato de que “muitos” e “um” podem ser homólogos, mas nenhum deles deve ser equiparado a um par. A alternância é replicada através de numerosas formas culturais, desde a maneira pela qual as plantações são vistas como algo que cresce no solo até uma dicotomia entre o domínio político e domestico.
Daí que para a autora o gênero é a forma principal por meio da qual a alternância é conceitualizada e a sua crítica alicerçada no pensamento feminino diz que “...o feminismo não está preocupado com um grupo de pessoas, mas com um tipo de injustiça...”. Isto é, ela coloca em xeque a dominação do homem e a subordinação da mulher como fator natural “...as desigualdade entre os sexos tem sido interpretado com um fenômeno social”. Se por um lado a subordinação, na voz do gênero, passa pelo fator da interpretação, por outra ela tem consciência de “Que as diferenças de sexo existem, argumenta ela, é um importante fato biológico, mas se tais diferenças devem ou não resultar num tratamento diferencial de homens e mulheres, é uma decisão social”. E qual a sua proposta? Á que se referencia o seu trabalho de pesquisa? De que “Deveríamos abandonar a metáfora tecnológica que imagina a sociedade como um mecanismo que “produz” coisas a partir dos recursos naturais com vistas a ampliar o potencial humano e deixar aberta a questão relativa a todos os problemas humanos serem ou não os mesmo. As “mulheres” são exemplos característicos, diz Strathern. Mas existem muito mais panos por debaixo desta simples proposição, ao ser observado, por exemplo, o etnocentrismo da preposição intermediária, a ilusão de que “as mulheres produzem bebes”, argumenta ela citando a critica de Fox a La Fontaine o qual coloca esta questão como um fato da vida.
Em fim, as informações não existem em si mesma, pode-se inferir que, se tudo é construído, então nada é inevitável, visto que a relação entre a conversão social e a natureza intrínseca das coisas é evidenciada como arbitrária. “Um problema da visão ocidental das culturas ou sociedade, que diria respeito a essas entidades na ação coletiva, é o fato de atribuir uma espécie de subjetividade ou capacidade de intervenção permanente a certas ações mais do que outras. Assim, certas formas de atividade aparecem como “instituição”, o mesmo não acontecendo com outras. Certas instituições, por sua vez, aparecem como mais relevantes ou predominantes”.
Referencias
STRATHERN, Marilyn. O gênero da dádiva. Campinas: Ed Unicamp, 2007
DUMONT, Louis. O Individualismo. Rio de Janeiro: Rocco, 1993 [1983]
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