Entre os muitos elementos existentes nas culturas indígenas poderíamos dizer que um fenômeno em particular mereceu a atenção dos antropólogos, fenômeno este que denominamos Xamanismo. A presença do xamanismo nos estudos antropológicos merece tanta atenção quanto os estudos de parentesco e foi exatamente isso o que aconteceu. Para compreendermos como se deu esse resgate, o texto de E. Jean Matteson Langdon, em Irtrodução: xamanismo – velhas e novas perspectivas, dá-nos uma grande contribuição.
Poderíamos iniciar este texto afirmando que o fenômeno do xamanismo é conhecido, no Brasil, como pajelança e se tornou um desafio para a antropologia. Ao torna-se um desafio forçou a antropologia a elaborar novos modelos teóricos para poder compreender o seu movimento. Os estudos do xamanismo expandiram-se para outras áreas, e entre estas áreas esta aquela que fazia parte do que se denominava como “nova consciência religiosa”. Se, por um lado, há um alargamento em pesquisas voltadas para o xamanismo em vários centros de estudos antropológicos fora do Brasil, por outro lado, infelizmente, como aponta o texto, a antropologia brasileira tem suas lacunas, e que lacunas! Os textos produzidos sobre esse tema é remetido a duas coletâneas e mesmo estas, são traduções (Coelho, 1976 e Furst, s.d.). No entanto, há um artigo brasileiro de Viertler onde analisa especificamente o conceito de xamã. Assim, Viertle “aponta para a heterogeneidade das teorias e as implicações dos vários nomes empregados para pensar o tema. Sua analise conclui que há a falta de um conceito suficientemente amplo e flexível, frente à diversidade das manifestações históricas, culturais e sociais, dificultando assim o estudo do xamanismo em diferentes níveis de abstração.” (Langdon, 1996, 11).
Uma das principais características do xamanismo é a de que ele não conhece fronteiras, nem nacionais, nem tribais. Por sua grande dimensão há quem o estudasse ligada as teorias sobre a magia e religião. Isso acarretou em idéias muitas vezes fragmentadas. Assim, de inicio poderíamos pergunta junto com a autora, o que é um xamã? A respeito do etnônimo sua origem deriva da língua siberiana tungue e que, para esta cultura, indicava o mediador entre os mundos, isto é, o mundo humano e o sobrenatural, o mundo dos espíritos. A autora, citando Metraux, coloca que a palavra xamã tornou-se uma categoria universal para indicar os indivíduos e suas práticas, independentemente de sua localização geográfica, pois a mesma atividade encontra-se nas mais diversas culturas. Essa generalização do termo, porém, acarretou certa imprecisão quando posto em estudos de caráter comparativos. Para uma definição mais elaborada Langdon recorre aos estudos de Eliade em sua clássica obra intitulada em Shamanism: Archairc Techniques of Ecstasy (1951) que defini o xamã pelas suas técnicas de êxtase, onde a alma do xamã abandona o corpo e se eleva aos vários mundos, entrando em contato com várias entidades. Outro elemento seria aquilo que ele denomina quanto a aprendizagem sendo esta extática e tradicional. Embora o termo tenha adquirido um sentido geral, para Eliade a definição restrita de xamã verdadeiro só se encontra na Sibéria e na Ásia Central.
Langdon considera as idéias de Eliade e não deixa de perceber sua contribuição para o desenvolvimento do tema. Por outro lado, lança a crítica afirmando que o mesmo tentou pensar o xamanismo fora de seu contexto social e de sua dinâmica cultural, ao ignorar esses fatores sua obra foi impedida de produzir algum paradigma mais frutífero. Langdon enfatiza estas lacunas nos estudos de Eliade porque acredita que “é impossível ignorar que o xamã possui um papel social positivo, sem estigma e construído culturalmente” (Langdon, 1996, 15).
Um dos grandes dilemas que marcou os estudos do xamanismo é o enfoque que muitos autores colocaram no problema ligado a magia e religião. Langdon refaz todo um itinerário das pesquisas realizado ao longo da história, passando por Durkheim onde afirma que o pensamento religioso surgiu das estruturas sociais e que os ritos religiosos mantêm a ordem da sociedade e por cima ainda traz a dicotomia dos termos. Isto é, enquanto a religião está para a moralidade a magia, por sua vez, essa ligada ao lado “negro da coisa”, por assim dizer. Langdon também menciona Mauss o qual adiciona aos estudos o conceito de “agente mágico” e as representações simbólicas. A importância dos estudos de Durkheim e de Mauss está na questão das representações. Se a escola francesa, por assim dizer, institucionalizou todas essas esferas entre magia e religião, os ingleses, em todo o seu funcionalismo, por outro lado, não questionaram essas esferas.
ara uma abordagem adequada do xamanismo Langdon leva em consideração o “conceito de cultura na antropologia simbólica é centrada no ator e, conseqüentemente, a cultura emerge da ação” (Langdon, 1996, 15). Por isso, para Langdon, a magia não se distingue da religião e que as novas abordagens procuram compreender o xamanismo como sendo um complexo sócio-cultural.
Por fim, o que mais contribuiu para se pensar o xamanismo, dentro de uma nova perspectiva, foi o fato de “enfocar o xamanismo como sendo um sistema cosmológico no qual, na sua expressão simbólica, o xamã é o mediador principal. Chamar o xamanismo de um sistema cosmológico, e não de religião, evita algumas das antigas confusões (que já foram expostas aqui)”. (Langdon, 1996, 26). A autora, finalmente, coloca que apesar de todos os estudos já realizados, é preciso explorar as definições nativas pra descobrir quem é, de fato, um xamã.
Langdon, Jean. “Introdução: Xamanismo – Velhas e novas perspectivas”. 1996. In: LANGDON, E. J. (org.) Xamanismo no Brasil – novas perspectivas. Florianópolis, Ed. Da UFSC. P. 9-38.
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