Hoje a arte se tornou tão presente em nosso cotidiano que fica difícil compreender o que de fato é a arte ou o que se pretende dizer quando dizemos que isso é arte. Pensamos ser oportuno, logo de início, então, esclarecer, tomando de algum ponto de vista, quaisquer que sejam as áreas de conhecimento, aquilo que seria, ou entenderíamos, por arte.
Para esta tarefa tomamos como diretriz de análise as idéias e os estudos de Eudoro de Sousa em seu artigo Arte e Escatologia na revista Espiral. Assim como o autor, que inicia seu texto discutindo sobre o ato de “definir”, “conceituar”, parece-nos necessário igualmente procurar definir que o seu texto trabalhará a arte no gênero e não nas espécies, caso assim fosse, poderíamos condicionar e mesmo limitar uma compreensão mais ampla daquilo que pensamos sobre a natureza da arte, como o mesmo se expressa: “...de nada lhes será dito acerca do que faz que a pintura seja pintura, a música seja música ou a arquitetura seja arquitetura, mas tão só do que faz que uma obra pictórica, musical ou arquitetônica, sejam obras de arte”. (Sousa, ?, 22).
Sousa começa sua análise sobre a arte partindo de um pressuposto que leva em consideração algo que perpasse tudo o que, intuitivamente, denominamos de arte. Para essa espécie de dominador comum a tudo aquilo que a nosso ver seria arte ele propõe a idéia ou conceito, como uma categoria de análise, a poesia. Essa categoria nos revela assim uma forma que nos permite dizer, por exemplo, “a poesia da palavra, que é o poema ou a prosa, a poesia do som, que é a musica, a poesia da cor e luz, que é a pintura, parece vocábulo que reúne os imprescindíveis sufrágios para ser eleito como designação de uma súmula da arte...” (Sousa, ?, 22). O que queremos apontar, e é exatamente isso o que o autor faz, é que ao apontar a arte como poesia, se evita cair em uma generalização, por vezes vagas, onde tudo ali poderia ser enquadrado ou, por outro lado, de criar uma extensão, palavra esta do próprio autor, tão grande que nada poderíamos encontrar.
Desta forma fica claro que o que o autor exporá em seu artigo é uma reflexão filosófica em busca da essência, por isso filosófica, o que poderíamos definir como filosofia da arte. Isto é, procurar encontrar aquilo que faz da arte verdadeiramente artística, ou autêntica. Como o próprio autor definiu “filosofia da arte é o pensamento que tem por limite uma intuição da sua essência”. Aqui nos deparamos com dois conceitos bastante significativos o de pensamento e o de intuição. Porém, Sousa esclarece que estes conceitos deverão ser compreendidos não muitos distantes do que a sua própria definição o define, isto é, “todo o processo lógico-discursivo”, “discorrer a cerca de” para pensamento e “equivalente supersensível da percepção” ou “simpatia, mediante a qual nos transportamos para o interior de um objeto, para coincidir com o que ele tem de único e, por conseguinte, de inexpressável” para aquilo que seria a intuição. O autor ainda coloca que a intuição é o oposto da análise, pois esta reduz o objeto a elementos conhecidos e que o pensamento discursivo é necessariamente categorial e que a categoria estética por excelência é o belo.
O autor coloca que diante de uma obra artística o individuo experimenta certa “convulsão de sentimentos e emoções” (Sousa, ---, 24) e que esta convulsão de sentimentos e emoções é que normalmente se chama de “prazer estético” e que denominamos como beleza estética. Esta beleza estética divide a realidade em duas dimensões: o reino da banalidade, de um lado, e o da excepcionalidade, por outro. Isto equivale dizer que em um a arte aparece como sendo o que aparece e em outro aparece como sendo mais do que aparece.
Ao definir beleza estética como aquilo que aparece mais do que aparece Eudoro de Sousa coloca em discussão toda uma trajetória da arte ao longo da história que nos leva desde o conceito de mimética aristotélica a estética romântica de Novalis, onde definia poesia como o “real absoluto”. Todavia, voltando ao que já nos foi colocado, poderíamos resumi nas palavras do próprio autor sobre a grande questão: a final, o que nos aparece através da poesia que é mais do que parece? “o que através da poesia nos aparece como sendo mais do que aparece é a mesma originalidade do que aparece.” (Sousa,---, 26).
As categorias que saltam sobre a arte não se esgotam apenas na compreensão do pensamento e da intuição, entre beleza estética e prazer estético, entre a dialética daquilo entre o ato de imitar e imitação do imitado, mas ainda há, como aponta Sousa a questão da revelação. “Revelação da origem, no originado, que é o mistério da poesia e que conseqüentemente é o mistério de toda arte”. (Sousa, ---, 27). Como o mistério é aquilo que se revela sem ser revelado é que o autor o coloca como sendo a segunda categoria estética (primeira foi a categoria de belo). Junto a idéia de mistério Sousa coloca aquilo que seria a terceira categoria estética da arte, que seria o símbolo, pois não existe poesia que não seja simbólica. Assim, o mistério da poesia é, pois, “desvelamento”, revelação da originalidade, ou “verdade” das coisas, como define o próprio autor, uma vez que é revelação da origem e da natureza. Já a compreensão do símbolo nos remete aquela dualidade mencionada anteriormente (o reino da banalidade e o da excepcionalidade) que está diretamente ligada ao conceito exposto pelo autor de que “em um primeiro momento, símbolo designava um objeto dividido em dois pedaços, que uma vez reunidos, provocam certas relação entre seus portadores...” (Sousa, ---, 28). Esta relação esta porque “toda obra de arte é um dos lugares e momentos, sem espaço e sem tempo, em que os dois reinos se encontram e interceptam, em que a não-banalidade transparece através da banalidade” (Sousa, ---, 29). Daí que para o autor um poema, por exemplo, para ser belo deve ser subordinado a essas categorias.
Finalmente, poderíamos dizer que a “arte explica, e não se explica”, pois “o mistério da arte consiste, do lado da interpretação, precisamente em que, sendo cada ato artístico parte de outro mundo que, em sua realidade material, coincide com parte do mundo que é nosso, as outras partes, de um e de outro mundo, que não coincidem no plano da sensibilidade, vão se aproximando uma das outras, no plano da inteligibilidade, até ao limite de uma perfeita coincidência em todos os pontos” (Sousa, ---, 34). E assim ficamos, nós e o autor, no limite de intérpretes deste e daquele mundo.
Sousa, Eudoro. “Arte e Escatologia, Espiral 10.pp. 22-34.
Comentários
Postar um comentário